Sobre o "cidadão analfabeto" e outros absurdos da rede pública


Eu realmente acredito na escola pública. Se não acreditasse, não estaria há seis anos trabalhando nela, ora com língua inglesa, ora com leitura, como POSL. 

E embora já tenha visto muita coisa nesses seis anos, algumas ainda me assustam e me chocam. Uma delas é o discurso de uma categoria de docentes que acredita que não é necessário alfabetizar o aluno: mais importante do que isso é que o aluno seja "cidadão". Gestores aplaudem docentes, docentes aplaudem gestores e jovens se formam analfabetos no último ano do ensino fundamental (9º ano).

Ok. Há quem pense que ser cidadão é não jogar o lixo no chão e outras coisas assim. Cidadania vai muito, mas muito além mesmo. Cidadania é o exercício de direitos e deveres dentro de um Estado. Ora, ao não ensinar o aluno a ler e escrever (e interpretar!) estou tirando dele um de seus direitos, o de fazer parte de uma sociedade letrada. Alguém já parou para pensar o que isso implica?! O que eu tiro de uma criança quando tiro nessa dela a possibilidade de aprender a ler e escrever?

Quando não faço questão de alfabetizar um aluno, o estou excluindo dessa sociedade, sob o discurso do "cidadão analfabeto". Nego a uma criança um direito. Quando essa categoria faz isso, só reforça o status quo, trabalha para o governo que quer "cidadãos" incapazes de ler o mundo por meio da escrita. Sei bem que esta não é a única possibilidade de leitura de mundo, mas é uma muito importante. Trabalho com EJA (ensino de jovens e adultos) e há quem volte a estudar para poder pegar ônibus sozinho, uma vez que não sabe ler. as duas atividades de ler e escrever vão das coisas mais cotidianas até as coisas mais decisivas.

Mas, afinal, qual é o papel dos educadores? 


E tal categoria, mutias vezes, se mostra incapaz também de ensinar as crianças a não jogarem o lixo no chão, falham no que julgam ser "ensinar o aluno a ser cidadão". E tenho certeza que essa categoria, formada por gestores e docentes, não teria esse discurso assustador na rede particular, porque é um espaço onde isso não entraria. Ok, entram outras coisas, mas, enfim, não vem ao caso.

O que eu gosto na escola pública é a possibilidade de fazer o que você quiser, essa liberdade de trabalhar sem se estar presos a método engessados ou materiais didáticos. Agora, tem quem use isso para finalidades escusas. Mamar nas tetas do setor público é uma delas. Uma amiga muito querida, excelente professora, me disse certa vez que na rede pública você encontra os piores e os melhores professores. Cada vez concordo mais com ela: se por um lado, a rede pública é um espaço de liberdade e muito trabalho a se fazer, por outro, é o espaço onde muita gente se encosta para mão trabalhar e, por ser concursado, raramente poderia ser demitido.

Gente que não sobreviveria no setor privado, fosse por falta de competência, fosse por falta de comprometimento. Gente que envergonha a minha profissão. Gente que não deveria lidar com gente. Fazer trufas e vender Avon é menos nocivo, porque não estão comprometendo o futuro de crianças e, consequentemente, do país, considerando que me todo lugar pode-se encontrar gente assim.


O que eu queria ver mesmo era a tal categoria sustentando o discurso do "cidadão analfabeto" com seus próprios filhos na rede pública. Queria ver se topariam filhos analfabetos aos 15 anos, mas, ah, pelo menos não jogam lixo no chão.

A escola é tão mais do que tudo isso. Ela pode ser muito mais do que tudo isso.

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