Capitão Óbvio, Frank Sinatra e o mundo empírico

Existe um bom motivo para não comer enroladinho de presunto deitado. Deitado você - e não o enroladinho. É o mesmo motivo de não se beber groselha estando deitado - mesmo com canudinho. 

Existe também um motivo para não dormir com o cabelo molhado. Para não sair com o carro na reserva. Para não mascar Ping-Pong de tutti fruti quando se usa aparelho fixo. Para não deixar de beber bastante água durante o dia. Para não entrar em pânico toda vez que algo escapa ao seu controle. Para não mandar cartas que nem deveriam ter sido escritas.

Existe motivo para não dar satisfação a quem não te satisfaz. Para não dar mais uma chance a quem te decepcionou pela enésima vez. Para não emprestar seu livro preferido. Para não deixar tudo para a última hora. Para não cortar o açúcar porque você cismou que está gordo. Para não sair de moto sem capacete. Para não chorar por dor de cotovelo. Para não usar chantagem emocional para conseguir alguma coisa. Para não deixar que um não-cabeleireiro corte o seu cabelo.

Existe sempre um bom motivo para não se apegar ao passado. Para não confiar em quem tem a fala muito mansa. Para não levar a sério o que dizem Frank Sinatra e Chico Buarque - e, numa instância mais pop, Michael Bublé. Para não guardar mágoa. Para não ignorar o que o médico falou sobre a sua úlcera. Para não sair no sol se não for para se queimar. Para não sair no sol sem protetor solar. Para não sair pela vida desarmado. Para não ficar tão preocupado com o que dizem de você. Para não sair sem guarda-chuva quando a chuva é certeza. Para não encanar com a chuva quando o refresco é certeiro. Para não sair de vestido curtinho quando o vento é matreiro. 

Existe sempre um bom motivo para tudo isso. E, numa tarde de domingo bem quente, bato papo com o Capitão Óbvio num bar qualquer em Pinheiros. Ele está irritado e perplexo:

- Não entendo vocês: estou sempre por aí, entregando quase tudo de bandeja, mas vocês insistem em fazer diferente!

- Ah - suspiro - Nem sempre é fácil, simples assim. Há coisas pelas quais temos que passar. Acho que a experiência é necessária e, muitas vezes, mais válida do que seguir a sua cartilha.

- Então é uma questão de escolhas?

- Nem sempre. Nem sei.

- Então você leva Frank Sinatra a sério?

- Ainda sim. Às vezes. Ai ai.

- Olha, não entendo mesmo porque vocês escolhem me ignorar - ele dá uma pausa e suspira -, mas entendo porque você leva o Frank a sério...

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