Lili e dinho, o chato

dinho sempre olha quando Lili passa. Ele nota que ela anda com uns ares diferentes.  Certa vez, curioso, pergunta-lhe:


- O que é isso que você tem aí?


Ela sorri.


- Um pedaço de bolo. Bolo de cenoura!
- Você que fez? – arregala os olhos gulosos.
- É, fiz para o meu namorado – diz ela abrindo um largo sorriso.
- Que babaquice fazer bolo para o namorado! – ele ri ríspido.
- Babaquice por quê? – pergunta timidamente.
- Ora, é uma coisa boboca.
- Por quê? – insiste ela.
- Gente apaixonada é boboca. Não tem noção de nada.
- Ah, eu não acho não – ela vira os olhos – tem gente que gosta e tem gente que não gosta.
- De quê? Bolo de cenoura? Eu gosto de bolo de cenoura...
- Não, dessas coisas que você diz serem “bobocas”.
- Eu acho isso de uma cafonice sem igual, só para você saber.


Ela dá ombros e vai embora.


Por muitos dias ainda, dia após dia, dinho continua a cercar Lili de suas provocações. Ele caçoa dela religiosamente. Religiosamente, comenta com os amigos o quanto Lili é uma tolinha. Certa vez, ela chega com um envelope azul.


- O que é que você tem aí? – pergunta ele com olhos gulosos.
- Coisas que você não entende – ela responde muito séria, já esperando a chacota.
- Como assim?
- É uma carta – ela explica.
- Deixa eu adivinhar: uma cartinha de amor para o seu namorado! Mas você não percebe o papel de ridícula que anda fazendo? Homem não gosta dessas coisas não, já vou lhe dizendo. E não é com cartinha de amor que vai manter esse namorico – ele ri nervosamente.


A única resposta que obtém de Lili, a inabalável, é o desprezo: ela lhe mostra a língua, atrevidamente. Aquilo o deixa louco! Os olhos dela têm um desdém plástico que parece moldar dinho em forma de nada.


Se ele podia tratá-la com desprezo, ela também podia. Mas as coisas que fluíam de Lili pareciam vir com redobrada intensidade. Sente-se nocauteado pelo inocente gesto e fuzilado pelo seu olhar abrasador. Entretanto, ainda insiste, rindo:


- Isso tudo é tão brega! Cafona até a medula!
- Algumas pessoas gostam dessas coisas. Eu gosto. Ele gosta. Você não gosta. Eu respeito isso. Por que você não pode respeitar essas coisas? Eu não te fiz nada. Não sei porque essa perseguição...
- Está maluca, é? Perseguição coisa nenhuma. Só acho uma cafonice da sua parte fazer todas essas bobagens. Nem sei como ele gosta disso.

Ela dá ombros. Ele ainda se sente moldado em formato de nada.

- Se você não gosta disso, arranje alguém que não faça isso para você – ela diz muito séria. 

dinho dá um pulo. As suas provocações e tanta insistência em falar da vida  dela não eram simples desprezo. Não era simplesmente isso. Naquele instante, se Lili  tivesse olhado para ele com um pouco mais de atenção, teria visto em seus olhos do que aquilo realmente se tratava: uma insone, insolúvel e insalubre inveja.

Comentários

Sirius disse…
Lili deixou de ouvir os retorques venenosos do chato dinho, assim como Tsuyoshi deixou de dar bola para o que os outros falavam dele. Dinho e sua corja invejam os seres humanos que sentem emoções positivas, escondendo isso sob o véu de ser "homem" ou "realista" ou qualquer outra denominação que se dê, essa moldura que emoldura... o nada. O vazio de não sentir.
Muito legal... by the way, eu adoro bolo de cenoura e sua sogra faz um que é de dar água na boca... você logo vai experimentar :P

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