Lili e o Sublime


Lili tinha aqueles olhos doces e castanhos: um misto de café e chocolate. Naquele momento,  fazia tempo que ninguém os namorava: estavam sozinhos - e serenos. Voavam por aí e absorviam toda a luz e toda escuridão que pudessem. Já tinham sido acusados de tantas coisas e chamados de tantos nomes, mas Lili não se importava, continuava cuidando deles.

Até que um dia, seus olhos encontraram um lugar para pousarem: os olhos dele. Sorriso, ombros, mãos. Podiam passar dias imersos e perdidos no mistério alheio. Porque se eu o seu olhar podia ser duro, também podia ser suave - e agora amorosamente afagava os olhos do rapaz à sua frente, tomando um café.

Era assim que passavam suas tardes de sábados. Por algum tempo - longo para quem usa relógios, breve para quem ama - foi assim. Mas os olhos dele, que antes se deixavam à toa, começaram a se mostrar rebeldes - fugiam dela. E então seus olhos não tinham mais permissão de pousar sobre os dele. As mãos agora fugiam. Os lábios sérios e frios. O café frio sobre a mesa. Lili, que sabia ler com destreza olhos e mãos, soube que era hora de seus olhos partirem.

Não queria de modo algum aprisionar o olhar dele para si, dentro de uma gaiola gasta. E pensou muitos dias e muitas noites sobre aquele que precisava partir mas a quem ela não queria deixar - partir. E o seu adeus foi um suave meneio de cabeça. Sua mão tocou o rosto dele e foi como se o encanto tivesse sido desfeito. Ela não era mais uma personagem de conto de fadas e resignou-se a isso, abraçando sua nova condição de reles mortal. E Lili saiu de sua vida do mesmo modo que chegou: suavemente.

Ouvindo True love waits (Radiohead)

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